Carta aos Grupos Parlamentares sobre a eventual alteração da carga fiscal no #AlojamentoLocal

Carta enviada a todos os grupos parlamentares, a 1 de Outubro de 2016, sobre a eventual alteração da carga fiscal no Alojamento Local:

Exmos. Srs.,

O meu nome é Marco Almeida e faço exploração de um estabelecimento de Alojamento Local, devidamente legalizado, com o nº *****/AL, na vila de ******.

É com perplexidade que leio notícias sobre o facto do próximo Orçamento de Estado representar um eventual aumento da carga fiscal sobre esta actividade económica, passando a compará-la ao arrendamento tradicional e taxando-a da mesma forma.

Já não basta o facto dos estabelecimentos legais terem de concorrer com uma quantidade astronómica de oferta paralela, ilegal, que não é devidamente fiscalizada, e agora ainda teremos, segundo proposta do governo, de contribuir com a mesma carga fiscal que um arrendamento passivo de um bem imóvel, quando não é disso que se trata no caso do Alojamento Local.

Comecemos por aqui: O AL é uma prestação de serviços, não é um arrendamento! Ponto. Final. Parágrafo.

Por muito que alguns sectores políticos e comerciais deste país o queiram colar ao arrendamento, não é disso que se trata. É de uma ignorância gritante comparar estas duas realidades. Chegamos ao ponto de termos líderes da oposição, que são contra este aumento de impostos (pela única razão de que são oposição), a dizer publicamente que se deve equiparar descendo a carga fiscal dos arrendamentos para valores semelhantes aos do AL. Nada tenho contra a baixa de impostos para o arrendamento. O que aqui está em causa é ignorância, porque são realidades completamente distintas. É uma premissa errada aceitar a equiparação, seja subindo impostos para uns ou descendo para outros.

Actualmente o AL é equiparado à restante hotelaria, nomeadamente a nível fiscal, e é assim que deve continuar. Curiosamente ninguém fala em aumento da carga fiscal da restante hotelaria, controlada por poderosos grupos económicos, com interesses instalados e poder político, a quem interessa que o AL simplesmente deixe de existir, fazendo lobby para que o AL deixe de ser uma alternativa aos seus serviços. O AL é maioritariamente explorado por proprietários com 1 ou 2 apartamentos, representando pouco mais do que um extra para as contas familiares, apesar do muito trabalho que representa.

O que o governo, e a restante classe política que concorda com estas alterações, se calhar não entende é que sem o AL, Portugal não teria a capacidade de receber a quantidade de turistas que tem recebido nos últimos anos. Que muitos turistas preferem um alojamento independente, onde possam fazer as suas refeições e ter os seus horários.

Com a alteração fiscal que está em cima da mesa, os actuais mais de 30 mil estabelecimentos de AL existentes em Portugal vão deixar de ser rentáveis e vão simplesmente desaparecer (legalmente…), muitos deles passando, de novo, a operar na clandestinidade, provando assim que esta alteração terá um efeito perverso e completamente contrário aquele que pretende atingir.

Mas afinal que país é este em que se apregoa a inovação, o empreendedorismo, em que se criam condições e isenções para a criação de novos negócios e depois se penaliza aqueles que, precisamente, o fazem? Que país é este em que tudo se faz para acolher grandes eventos destas temáticas da inovação e do empreendedorismo e depois, cinicamente, faz o contrário a nível fiscal? E já agora, onde é que se vão alojar os participantes do Web Summit (e outros eventos) a partir de 2017 quando os AL começarem a fechar por falta de condições financeiras para se manterem em funcionamento? O país tem oferta hoteleira para tal?

Não seria mais sensato fazer verdadeira e eficazmente fiscalização à economia paralela de alojamento para turistas e já agora do arrendamento para habitação / estudantes / professores deslocados, etc… É que é aí que estão muitos milhões de euros de impostos por cobrar. É mais fácil cobrar aqueles que já constam da base de dados do fisco, certo? Pois, mas a seriedade dá trabalho, e se o estado obriga os profissionais do AL, e todos os restantes agentes económicos, a serem sérios, a única coisa que podemos esperar em retorno é que também a máquina do estado seja séria, actuando primeiro sobre a ilegalidade e só depois punindo fiscalmente aqueles que já contribuem com os seus impostos.

Mas voltando às diferenças entre o AL e o arrendamento:

Arrendamento tradicional:

  • É um rendimento passivo de um bem imóvel;
  • Os imóveis são arrendados de paredes nuas, sem mais nenhum serviço associado;
  • O inquilino é responsável por todo o recheio da casa e restantes condições de habitabilidade;
  • Os custos para o proprietário são:
    • IMI;
    • Condomínio;
    • Seguros;
    • Obras;

Alojamento Local:

  • É uma prestação de serviços, e não um arrendamento;
  • Os imóveis não são arrendados, mas sim disponibilizados como parte de um serviço de alojamento que inclui:
    • Mobiliário;
    • Roupa de cama e banho;
    • Limpeza;
    • Pequeno-almoço (em determinadas situações, por opção do proprietário);
    • Check-in e check-out;
    • Disponibilidade 24h/dia para prestar apoio ao turista;
    • Electricidade;
    • Climatização;
    • Gás;
    • Água (a taxas comerciais e não residenciais em muitos concelhos);
    • TV;
    • Internet;
    • E toda uma outra panóplia de serviços prestados de forma, muitas vezes informal, aqueles que visitam o nosso país, mas incluídos no valor cobrado e facturado;
  • Os custos e responsabilidades do proprietário são:
    • IMI;
    • Condomínio;
    • Seguros;
    • Obras;
    • IVA;
    • Comissões de reservas dos operadores de booking;
    • Manutenção regular do recheio da casa;
    • Consumíveis (wc, amenities, cozinha, etc…);
    • Comunicação ao SEF das entradas e saídas de turistas estrangeiros;
    • Contabilidade muito mais complexa do que no caso do arrendamento;
    • Segurança Social;
    • Ter equipamentos de segurança como extintor, manta contra fogo, kit de primeiros socorros;
    • Ter livro de reclamações e estar sujeito a inspecções por parte da ASAE e do Turismo de Portugal;
    • TODOS os pontos referidos anteriormente sobre aquilo que o serviço de AL inclui, nomeadamente: roupas, limpeza, electricidade, aquecimento, climatização, gás, água, tv, internet, etc…

Há ainda outro factor, que deixei fora da comparação analítica anterior propositadamente, que parece que ninguém se lembra quando compara as duas realidades. No arrendamento, numa situação normal, a ocupação anual é de 100%. No AL, em boa localização, serão 3 ou 4 meses de época alta + fins de semana no resto do ano.

Existe ainda o argumento da falta de habitação permanente para arrendamento por causa do AL. Ora isto é uma falácia, porque para já é um problema restrito a 2 ou 3 freguesias de Lisboa e Porto, e por outro lado porque antes dos imóveis destas freguesias terem sido recuperados pelos investidores do AL, de terem aparecidos novos estabelecimentos, de todos estes locais serem mais agradáveis para viver por acção directa e indirecta do turismo, ninguém queria viver nas mesmas.

Pode-se também usar o argumento da gentrificação e desaparecimento da autenticidade das cidades, ou melhor, de 2 ou 3 freguesias de 2 cidades, do nosso país. São problemas? Claro que são, e há que combatê-los de forma localizada. O que não é aceitável é que se penalizem mais de 90% dos empresários de AL por causa de um problema limitado a localizações onde estão apenas cerca de 8% dos estabelecimentos. (Fonte: http://www.alep.pt/app/download/13605357022/Documento_PosicaoALEPFiscalidade_V2.pdf)

Por todos os motivos apresentados nesta minha missiva, e pelo interesse nacional no desenvolvimento do sector do turismo (aquele que representa, de longe, mais possibilidades de enriquecimento da nossa economia), peço a V. Exas. que, no parlamento, no governo, no seio dos vossos partidos, lutem contra esta alteração fiscal que não beneficia ninguém, nem o estado, muito pelo contrário.

Os meus melhores cumprimentos,
Marco Almeida

 

Actualização 3 de Outubro, 17:00
Resposta do Grupo Parlamentar “Os Verdes” a 3 de Outubro, com os meus comentários (a bold e itálico), enviados na mesma data:

Exmo Senhor Marco Almeida,

Acusamos a receção e agradecemos a sua mensagem que mereceu a nossa melhor atenção e da qual tomámos a devida nota.

Relativamente ao assunto em apreço, importa frisar que das unidades de Alojamento Local em Portugal, 23% estão concentradas nos centros urbanos de Lisboa e do Porto, sendo que Lisboa reúne 17% da oferta, segundo dados apurados pela Associação de Alojamento Local Em Portugal (ALEP).

Por exemplo, as freguesias de Santa Maria Maior e da Misericórdia, no centro de Lisboa, concentram 8,8% do total nacional da oferta de alojamento local.

E é essencialmente por causa destes 8.8% que agora se está a planear penalizar os restantes 91.2%.

A estes ainda há que somar os apartamentos e quartos que não estão registados e que são arrendados à margem da lei.

Esses não podem ser somados nas contas oficiais. São outra realidade que é necessário combater. Não faz qualquer sentido penalizar quem está legal com base em números nos quais se incluem os que estão à margem da lei. É única e simplesmente imoral.

Para Os Verdes o Alojamento Local apresenta um conjunto de impactos positivos na regeneração dos centros urbanos, na requalificação do património edificado, na diversificação social, no complemento de receita dos moradores, na criação de emprego e na recuperação económica. Em contrapartida, a oferta excessiva e concentrada do alojamento local numa área da cidade pode ter inconvenientes que importa mitigar, nomeadamente ao nível da redução da oferta de arrendamento habitacional convencional, a inflação dos valores da habitação, a saída dos residentes locais para zonas periféricas e a descaracterização dos bairros tradicionais.

E essas situações devem, claramente, ser alvo de intervenção, mas não à custa da grande maioria dos ALs que não estão nesses bairros tradicionais.

Desta forma, importa potenciar ainda mais os aspetos positivos e mitigar alguns dos seus efeitos nocivos através da realização de alguns ajustes ao Regime Jurídico do Alojamento Local que está a ser objeto de reapreciação na Assembleia da República. Obviamente que o combate aos apartamentos e quartos ilegais não será descurado.

Até agora só temos visto acções de fiscalização nos ALs legais, devidamente comunicadas pela AT aos OCS.

Não tenho conhecimento, pelo menos em sede noticiosa ou de comunicados da AT do encerramento ou aplicação de coimas a estabelecimentos ilegais de alojamento.

Em suma, o objetivo central é limitar o número total de estabelecimentos licenciados por requerente e por prédio face aos limites que já existem na legislação em vigor, no sentido de promover uma atuação mais responsável no alojamento local, pautando a atuação do sector por uma maior transparência e contribuindo assim para o desenvolvimento sustentável do turismo e a melhoria da qualidade de vida das pessoas que habitam e visitam as cidades de Lisboa e Porto. Não se pretende criar mais obstáculos aos pequenos operadores, mas aos grandes grupos económicos de alojamentos locais que acabam por ocupar a totalidade de vários prédios com esta atividade económica.

Esperamos que efectivamente seja esse um dos objectivos a cumprir, porque com esse tipo de limitações eu consigo concordar.

O que eu não consigo conceber é como é que a grande maioria dos pequenos operadores, que têm 1 a 2 alojamentos, sejam ainda mais penalizados com impostos.

Dou-lhe o exemplo do meu caso. Tenho um pequeno estúdio na vila de ****** que é operado por mim com ajuda da minha mãe. É uma pequeníssima operação familiar cujo rendimento pouco mais faz do que complementar o orçamento mensal. Como é que se justifica um brutal aumento de impostos, como aquele que parece que vai ser proposto em sede de Orçamento de Estado, da solução governativa de esquerda que o PEV apoia, para um caso como o meu? (e de tantos outros milhares na mesma situação)

Existe uma falsa sensação na opinião pública, e consequentemente política, de que o AL tem impostos muito baixos, o que é falso. É importante perceber a estrutura de custos, a taxa de ocupação e o trabalho envolvido antes de tirar estas conclusões.

Sem mais de momento, apresentamos os melhores cumprimentos,

Joana Gomes da Silva
Chefe de Gabinete
Grupo Parlamentar “Os Verdes”

 

Actualização 22 de Novembro, 23:30
Resposta do Grupo Parlamentar do PCP a 22 de Novrembro:

Exmo. Sr. Marco Almeida,

Acusamos receção e agradecemos o contacto e a reflexão que nos é colocada.

Relativamente ao alojamento local também já alertámos o atual Governo que os problemas sugeridos com alguns impactos negativos no mercado de arrendamento urbano provocados pelo crescimento da oferta de alojamento local não são resolúveis com medidas fiscais, nomeadamente em sede de IRS e IRC (mais ainda em sede dos respetivos regimes simplificados).

Gostaríamos, neste contexto de registar que quando o Governo anterior do PSD e do CDS, com o acordo do PS, aprovou a alteração ao Código do IRC alertámos para a incongruência que passava a existir entre o regime simplificado do IRS com o novo regime simplificado do IRC.

Por fim, esta questão não será esquecida na intervenção concreta do PCP na discussão em especialidade do Orçamento do Estado para 2017, embora a mesma venha a assumir a forma que considerarmos que melhor defenda a proposta global do orçamento, nomeadamente nas prioridades definidas pelo PCP de recuperação de rendimentos e direitos dos trabalhadores e pensionistas.

Gostaríamos, ainda, de valorizar a proposta do PCP apresentou de redução do PEC e a sua substituição até final da legislatura por coeficientes técnico-científicos por setor de atividade.

Com os melhores cumprimentos,

Pedro Ramos
Chefe de Gabinete do Grupo Parlamentar do PCP

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3 comentários

  1. Faço minhas as suas palavras e acrescento:
    Eu, tal como um bom número pessoas, teve de arrendar quartos na sua própria casa, para conseguir pagar a hipoteca ao banco.
    Se tal medida for para a frente, arrisco-me a perdê-la.
    Pensem bem no que vão fazer.
    Manuela Coelho

  2. Marco não diria melhor apenas acrescentaria um ponto. O AL foi para muitas pessoas uma alternativa ao desemprego, muitas pessoas que tinham uma casa mas perderam o emprego viram no AL uma possibilidade de reconstruírem a sua vida. Para além disso, o AL permitiu que alguns sectores de actividade como o da construção civil não entrasse em colapso absoluto com as muitas obras de reabilitação urbana nos bairros históricos que agora se encheram de turistas, e gerou novos empregos directos e indirectos, fez com que muitos negócios locais não fechassem as suas portas e trouxe oportunidades de negócio a um conjunto muito variado de actividades fruto do aumento do número de turistas que nos visitam, situação que tão rapidamente como surgiu corre o risco poder desaparecer se muitos AL forem obrigados a fechar as suas portas. Pensem antes de agir, e percebam que, caso esta medida for implementada, os primeiros a sofrer os seus efeitos serão aqueles (que no AL constituem a maioria) que estão no regime simplificado do IRS e que não podem deduzir os custos operacionais decorrentes da actividade (e por isso apenas são tributados sobre 15% dos seus rendimentos) e não aqueles que são tributados em sede de IRC e que por term contabilidade organizada podem deduzir esses custos e ser tributados sobre o lucro liquido e não sobre o rendimento bruto.

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