Portugal é um país de turismo. O sector é um dos, senão o, sector com maior potencial de criação de riqueza no país. Há décadas que a nossa indústria, agricultura e pescas foram dizimadas, portanto há que aproveitar aquilo que ainda temos para vender: o bom tempo e o bem receber!

Há muito que as cidades de Lisboa e Porto estavam despidas de moradores. Os sucessivos congelamentos de rendas impossibilitaram os proprietários/senhorios de fazerem obras de melhoramentos. Foram ficando os velhos, que não tinham para onde ir. Quando estes morreram, os seus filhos e netos não quiseram morar numa cidade em ruínas.

Entretanto o mundo descobriu Lisboa, o Porto e as outras cidades do país. Quem pôde investiu, recuperou imóveis, e colocou-os a gerar riqueza para si, para os comerciantes que os rodeiam, para a cidade, para o país. Ajudam principalmente a economia local. O “faz-tudo” que realiza pequenas reparações, a lavandaria que trata das roupas, a vizinha do lado que faz as limpezas e recebe os turistas, o café do R/C, a papelaria da esquina, etc…

A legislação adaptou-se, de forma exemplar como é reconhecido mundialmente, e criou a figura do Alojamento Local, com regras, obrigações, direitos e deveres, impostos e fiscalização. Alguns tornaram-se legais, outros não. É função do estado separar o trigo do joio, multar e fiscalizar os ilegais e deixar os restantes promoverem o crescimento económico e justo do país. E o seu, claro.

Se as entidades responsáveis actuarem de forma firme sobre a economia paralela de alojamento temporário a turistas, metade dos “estabelecimentos” desaparecem resolvendo-se, de forma relativamente simples, o problema da pressão do turismo sobre a habitação e sobre os moradores referido ad nauseam nas caixas de comentários dos jornais e redes sociais pelos profetas da desgraça. No entanto, é mais fácil colocar os que estão legais a pagar mais impostos, como se prova pelo aprovado OE 2017. Por exemplo, em Espanha, onde não existe uma legislação para o AL, o Airbnb foi multado em 30 mil euros por permitir anúncios de propriedades ilegais, mas entretanto, e na minha opinião erradamente, um tribunal anulou a decisão. Em Portugal, apesar da legislação existente que obriga qualquer publicidade a conter o nº de registo do AL, o Airbnb continua a ter no seu website uma percentagem muito elevada de operadores à margem da lei, continuando a nossa fiscalização a assobiar para o lado. Fosse um AL legal com o extintor fora do sítio e a multa era certinha…

A cidade ficou bonita e apetecível. Aqueles filhos e netos que nela não quiseram viver, agora já querem. Eu também gostava de viver no centro da cidade, mas não posso. Os preços mudaram, obviamente. Reclamam agora que a cidade tem de ser dos moradores, com razão, é certo, mas esquecendo-se, ou não se querendo lembrar, de que não ajudaram a cidade quando ela necessitava de se erguer. Aqueles que levantaram a cidade das ruínas estão agora a ser alvo de uma campanha que visa matar os seus negócios, e toda a riqueza económica que à volta foi sendo criada. Acusam o turismo de ser o causador da desertificação das cidades, mas os argumentos são vazios e facilmente desmontados por quem sabe do que fala e recusa populismos bacocos.

Há até quem diga, que os moradores estão a voltar à cidade, vejam lá a ironia da coisa.

Os turistas preferem alojamento personalizado e a hotelaria já percebeu isso. Percebeu também que há uma comunidade de moradores que está contra este tipo de alojamento, por razões que têm a ver com o seu próprio umbigo e pouco mais do que isso.

A Associação da Hotelaria de Portugal entretanto chegou-se à frente, sem que ninguém lhe perguntasse a opinião, até porque (aparentemente e só aparentemente) nada têm a ver com o Alojamento Local, apresentando propostas de alterações na legislação. Faz até o papel de aliada da cidade e dos cidadãos. Na verdade os cidadãos vão servir os interesses da hotelaria, só que ainda não o sabem.

Em suma, a AHP lançou uma ofensiva sem igual ao AL, fazendo uma proposta extremista e sem contexto, emitindo e comprando opinião nos órgãos de comunicação social, engrossando a sua luta com os indignados das redes sociais e com aqueles que acham que viver no centro de uma capital europeia, a preços baixos, é um direito de todos, ignorando completamente aquilo que é o panorama em todas as grandes cidades do mundo.

Surge a ideia de que os condomínios passem a ter um papel determinante na autorização de um estabelecimento de AL. Todos sabemos o que vai acontecer. O povo é invejoso por natureza. Ninguém vai deixar que o negócio (legal) da vizinha do 3ºesq tenha sucesso. Já ao vizinho do 1ºdto, que está ilegal, não paga impostos, o condomínio não pode proibir de exercer porque o negócio não existe. Provavelmente ainda é congratulado como o espertalhão que consegue fazer uns trocos em vez de “andar a encher os bolsos ao chulos do estado”, como é apanágio do verdadeiro lusitano. Mas o estado somos todos nós…

Há até quem tenha desonestidade, ou ignorância, de alegar que no Alojamento Local os lucros são muito superiores aos do arrendamento tradicional para habitação. Não é apenas uma mentira, como é uma prova que o verdadeiro problema não é o não ter onde viver na cidade, é o facto de alguém estar a ter sucesso comercial.

Ao mesmo tempo que surge esta ideia peregrina de meter os condomínios ao barulho, os grandes grupos hoteleiros (e fundos de capitais) compram prédios inteiros por toda a cidade, transformando-os em Alojamento Local. Nesses prédios não há condomínio, porque só há um proprietário, ou mesmo havendo vários estão todos no mesmo barco. Não há quem possa proibir a abertura de centenas de estabelecimentos de AL de um dia para o outro. Só não vê, quem não quer. Basta fazer uma pesquisa no RNAL:

No final ganham os grandes grupos económicos hoteleiros, que além das tradicionais camas de hotel, passam também a controlar o Alojamento Local. Perdem os pequenos investidores, que com 1 ou 2 apartamentos complementam o seu rendimento familiar e fomentam a economia das ruas à volta desses mesmos apartamentos. Ganham os que vão continuar com estabelecimentos ilegais, porque a fiscalização não existe e os condomínios não lhes podem tocar.

Um aparte: Entretanto a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal), que por um lado “representa” o Alojamento Local quando é hora de vender kits de primeiros socorros e extintores ou para sacar fundos ao Turismo de Portugal para fazer “estudos”, por outro representa a hotelaria e deixou de emitir opinião ou de falar sobre o AL. Será porque sentem que os grandes grupos económicos, com a ajuda dos indignados das redes sociais, enganados por artigos de jornais, vão conseguir alterar a legislação?

Volto um pouco atrás para comentar um argumento recorrente: Alguns dizem que há estabelecimentos AL demais e que um dia os turistas vão deixar Lisboa e Porto e bolha vai rebentar. Ataque-se a economia paralela e o mercado fica nivelado. Deixa de haver bolha para rebentar. Quando (e se) os turistas esquecerem o nosso país, ao menos as cidades ficaram recuperadas e todos os apartamentos que estiveram ao serviço do AL entram no mercado habitacional muito facilmente. Poderemos dizer o mesmo dos empreendimentos dos grupos hoteleiros? Não me parece.

O que é que vai acontecer à cidade? A cidade vai continuar a acolher turistas. Esses turistas vão ficar hospedados em unidades de AL de grupos hoteleiros, com pouca personalidade, sem a traça tradicional que caracteriza essa cidade e o país. Aí sim, todos vão perceber o que é a verdadeira gentrificação. Mas vai ser tarde demais. Aquilo que fizeram e defenderam, disfarçado de defesa da cidade e dos seus costumes, só vai servir os interesses de terceiros e é, em última análise, o que vai acabar com ela.

Depois não se queixem… depois vai ser tarde!

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9 comentários

  1. Texto exemplar onde se percebe tudo muito bem. Já partilhei por tudo quanto sei partilhar. Era muito bom que chegasse a todos.
    Muitos parabéns e obrigada, Marco!

  2. Muito bem, subscrevo palavra por palavra, e só acrescento de que que a figura legal de alojamento local, existia para permitir precisamente , que proprietários de imóveis ou quartos extra, pudessem ter um rendimento extra ( não sendo ele um negócio) de forma legal. Pois se formos pensar como um negócio puro, será impossível ter lucro, pois as despesas seriam outras e outro nível de serviço( pois era um negócio) , daí subscrever este texto na íntegra!!! Muito bem escrito e muito bem dito! Obrigado

  3. No meu prédio existem pelo menos apartamentos alugados nesta situação de alojamento local, lamentávelmente vejo todos os dias a barafunda que existe e que causam aos restantes moradores. Acho que se fala muito mas com pouco conhecimento de causa. Para mim em reunião de condomínio terei pelo menos a liberdade de decidir sim ou não. O direito de escolha assiste a todos não só aos empreendedores.

  4. Gostaria de acrescentar dois pontos muito interessantes para complementar a análise:
    O governo herdou uma bomba relógio chamada descongelamento das rendas e não sabe como apoiar os inquilinos ou senhorios, vai daí lembrar-se de aumentar a taxação dos proprietários que exploram AL para os obrigar a voltar ao arrendamento tradicional.
    Ao governo também não dá jeito nenhum que as rendas aumentem pois esse sempre foi um argumento usado para limitar os salários, que assim, se mantiveram artificialmente baixos ao longo de mais de 40 anos.
    Se examinarmos o cabaz de preços do consumidor verificamos que o único item que destoa são as rendas, sendo que tudo o resto como compras, combustíveis, veiculos e vestuário têm preços equiparados com França e Espanha, sendo mesmo alguns mais baixos no estrangeiro…

  5. A questão não é estar contra o AL. Com certeza essa realidade deve estar distante da sua pois se habitasse num prédio que parece um hotel. Pior, pois num hotel se ultrapassa certos limites sai. Barulhos até às tantas quando nós residentes temos de trabalhar, faltas de respeito para com os residentes, nomeadamente dos proprietários. Posso continuar a noite toda a enumerar a urgência da criação de legislações. Nada tenho contra o turismo mas nesta escala, em que prédios são invadidos por turistas e têm este tipo de repercussões não é de todo viável

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