Quando decidi construir a minha própria casa sabia que ia ter de pagar muitas taxas e taxinhas, algumas com fórmula de cálculo muito duvidável ou simplesmente desconhecida e abstracta. O que não estava à espera é que a Câmara Municipal do Seixal me roubasse dinheiro com taxas ilegais.

Não me oponho a qualquer tipo de pagamento de impostos ou taxas de prestação de serviço, o que não posso admitir é que uma entidade pública, gerida por um partido de esquerda que se diz defensor da igualdade dos cidadãos, me cobre taxas que são ilegais aos olhos da lei, de forma totalmente consciente e se limite a mentir quando confrontada com essa situação, recusando-se a assumir o erro.

TL;DR – o artigo é extenso, portanto se quiseres ler só o essencial, faz scroll e lê apenas o que está sublinhado a amarelo

A licença de construção

Logo que pedi a licença de construção, fui presenteado com mais de 10 mil euros de taxas:

Incha!

Se analisares bem a tabela em cima, verás que logo a primeira linha indica um abstracto “operações urbanísticas” no valor de 8.732,24€. Depois de questionar o município fiquei a saber que se trata da minha contribuição para as obras efectuadas pela autarquia, dado que o lote onde construí não foi urbanizado mas sim alvo de reconversão urbanística de ilegal a legal. OK, de acordo. Não paguei urbanização, o município fez-o por mim, tenho de pagar.

O que eu não esperava é que este valor não incluísse quase nada, nomeadamente os passeios e, principalmente, a ligação à rede pública de água e esgotos (mais tarde verás que não teria mesmo nada que incluir).

Os passeios

Em Abril de 2021, já a minha obra estava bem avançada, a poucos meses das eleições autárquicas, reparo que 5 lotes que não tinham passeios na minha rua estavam a ser alvo de colocação do mesmo por parte da União de Freguesias de Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires.

Interpolei o Sr. Presidente da Junta no sentido de se poder coordenar os trabalhos para a colocação dos passeios no meu lote. A resposta tardou e só veio depois de muita insistência. Não é surpreendente:

não está contemplado a construção de passeio nessa rua

António Manuel Oliveira dos Santos
“O que viste acontecer na tua rua não aconteceu”

Não tardei a responder ao então Sr. Presidente da União de Freguesias de Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires, António Manuel Oliveira dos Santos *, que não só tinham sido construídos passeios nessa rua, como entretanto tinham começado a fazer mais passeios na outra rua com a qual o meu lote faz gaveto, questionando em qual das duas ruas com as quais a minha casa tem frente, ambas com construções em curso, é que não estava previsto a construção de novos passeios.

* Entretanto substituído pelo partido, provavelmente para que o seu sucessor se apresente a votos já no cargo

A resposta, mais uma vez, não surpreende:

não está contemplado a construção de mais passeios em Pinhal de Frades

António Manuel Oliveira dos Santos, ex-presidente da União de Freguesias
“Já te disse que quem manda aqui sou eu”

Voltei a questionar por que razão e, de repente, depois de ter pago quase 9 mil euros de “operações urbanísticas”, decidiram parar com a construção de novos passeios no exacto momento em que os questionei. Obviamente não obtive resposta. Defensores dos direitos da população, dizem eles, com os seus tiques de ditadores.

A ligação à rede de abastecimento de água

Se pensaste que o episódio dos passeios é bizarro, ainda não viste nada…

Quando solicitei a ligação do ramal de abastecimento de água, esperava pagar alguma taxa, mas não isto:

“Queres água, seu porco capitalista?” 💦 💰

Perto de 1.000 euros para ter acesso a um direito fundamental da humanidade: água potável. Num concelho de esquerda? Não queria acreditar. Ainda mais quando, a poucos meses das eleições, colocaram nas caixas do correio dos munícipes publicidade em como a água do concelho era a mais barata da região, comparando-a com vários concelhos, não comunistas. Pudera, cobram logo à cabeça.

Depois de alguns tweets, rapidamente fui abordado por um amigo que trabalha numa empresa de águas e que me garantiu que a cobrança de ramais até 20 metros é da responsabilidade da entidade gestora (fornecedora), e apenas acima dessa medida podem ser cobrados aos utilizadores, de acordo com os Artigos 37.º e43.º do regulamento com eficácia externa da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) 594/2018, publicado em Diário da República sob forma de lei:

Artigo 37.º

Direito à prestação do serviço

(…)

2 – O serviço de abastecimento público de água através de redes fixas considera-se disponível desde que o sistema infraestrutural da entidade gestora esteja localizado a uma distância igual ou inferior a 20 metros do limite da propriedade.

2 – O serviço de abastecimento público de água através de redes fixas considera-se disponível desde que o sistema infraestrutural da entidade gestora esteja localizado a uma distância igual ou inferior a 20 metros do limite da propriedade.

Artigo 43.º

Responsabilidade pela execução, conservação, renovação e substituição de ramais de ligação e respetivos custos

(…)

2 – A instalação dos ramais de ligação de água e/ou de águas residuais, que fazem parte integrante da rede pública, é da responsabilidade da entidade gestora, a quem incumbe, de igual modo, a respetiva conservação, renovação e substituição, sem prejuízo do disposto nos números seguintes e de acordo com o estabelecido no RT.

(…)

4 – A construção de ramais de ligação superiores a 20 metros está sujeita a uma avaliação da viabilidade técnica e económica pela entidade gestora.

5 – Se daquela avaliação resultar que existe viabilidade, os ramais de ligação, instalados pela entidade gestora, apenas são faturados aos utilizadores no que respeita à extensão superior à distância referida no número anterior.

Regulamento com eficácia externa 594/2018 da ERSAR

Ora acontece que o meu ramal tem… vá… meio metro:

É a loucura!!!

Contactei os serviços da autarquia que me indicaram que o regulamento municial definia estas taxas e portanto era isto que teria de pagar.

Vê lá se estás a perceber: o regulamento INTERNO do Município sobrepõe-se ao regulamento da ERSAR que tem eficácia externa e força de lei por publicação no Diário da República. 🤡

Rapidamente percebi que se queria ligação à rede de água, teria de ceder aos caprichos de uma entidade que não pretende respeitar a lei e depois, mais tarde, reclamar junto da entidade reguladora.

O ensaio de estanquidade que se paga mas não é feito
(a não ser que sejas chatinho)

Um dos ensaios que tem de ser feito por lei, depois de terminada a rede de águas do imóvel, é um ensaio de estanquidade, em que os técnicos do Município vistoriam se toda a instalação está de acordo com o projecto aprovado e com os regulamentos em vigor.

Solicitámos esse ensaio e claro, toma lá mais 120,50€, desta vez um valor sensato:

O problema é que, depois do pagamento, a vistoria tardava em ser agendada. Depois de vários emails da minha parte e do construtor, todos sem resposta, recebi um telefonema (😉) dos serviços a indicar que o ensaio em causa não seria efectuado “derivados de COVID”. Perguntei então porque paguei um serviço que não seria prestado e a resposta foi que sem a prova de pagamento não seria possível emitir a licença de utilização (habitação) mais tarde.

Estamos portanto perante uma mera taxa administrativa sem qualquer sentido.

A verdade é que depois de vários contactos via telefone (sem sucesso), emails e algum barulho no Twitter, fui contactado pelos serviços para se agendar o ensaio.

Silêncio absoluto
Por telefone, chama-os parvos…

O ensaio foi efectuado a 19 de Maio, inventaram dois ou três tubos para trocar só para chatear (motivo de galhofa do canalizador), mas do resultado não havia notícias. Foram necessários 3 meses! para obter finalmente uma comunicação do Município. Vale a pena indicar que, enquanto não tivessemos este deferimento, tudo o resto estava bloqueado, nomeadamente a possibilidade de solicitar a ligação ao ramal de águas residuais (esgotos).

De 3 de Maio a 13 de Agosto são 102 dias!

O pior nisto tudo? Reparem que o despacho é datado de 31 de Maio e a comunicação, depois de muitos telefonemas e emails, apenas é efectuada a 13 de Agosto, 74 dias depois! Isto não é incompetência, isto é vingança!

A ligação à rede de águas residuais

Vamos resumir, porque já deves ter percebido onde isto vai dar. Lembras-te da legislação?

Artigo 37.º

Direito à prestação do serviço

(…)

2 – O serviço de abastecimento público de água através de redes fixas considera-se disponível desde que o sistema infraestrutural da entidade gestora esteja localizado a uma distância igual ou inferior a 20 metros do limite da propriedade.

Artigo 43.º

Responsabilidade pela execução, conservação, renovação e substituição de ramais de ligação e respetivos custos

(…)

2 – A instalação dos ramais de ligação de água e/ou de águas residuais, que fazem parte integrante da rede pública, é da responsabilidade da entidade gestora

Regulamento com eficácia externa 594/2018 da ERSAR

O meu ramal de esgotos tem 5 metros:

Informação para quem não foi à escola: menos de 20 metros

Mas isso não impede a Câmara Municipal do Seixal de aplicar o seu modus operandi:

Mais quase 1.000 euros cobrados ilegalmente

O que é que eu tive de fazer? O mesmo. Paguei mais 989,62€ cobrados ilegalmente, e é se quero um dia ter licença de utilização.

Depois do pagamento, logo no início de Setembro, os serviços do município informam que o ramal está previsto ser construído na semana de 18 a 22 de Outubro.

Obviamente a data não foi cumprida, e logo no início dos trabalhos… bem… digamos que nunca mais falo com um responsável de serviço do município sem ter um gravador no bolso.

A reclamação na ERSAR e no livroreclamacoes.pt

Depois de ter a licença de utilização e já estar a viver na casa, decidi a 15 de Junho de 2022 fazer a respectiva reclamação junto da ERSAR, com cópia para os serviços do município.

Depois de um contacto telefónico com a entidade reguladora, fui aconselhado a fazer também a reclamação no livro de reclamações, sendo que assim a Câmara Municipal seria obrigada a responder em 15 dias, o que obviamente não aconteceu (não fosse apanágio da CMS ignorar a lei).

Voltei a contactar ambas as entidades repetidamente, sendo que o que a ERSAR me foi dizendo é que ainda aguardava resposta do Município.

Entretanto a 10 de Agosto faço novo contacto para a ERSAR, falo com um simpático funcionário que enquanto tentava encontrar o meu processo me perguntou qual era a entidade. Assim que lhe respondi, ouvi um esgar e o comentário do género “Ah, Seixal, então está apresentado, eles não nos respondem ou quando o fazem simplesmente ignoram as nossas decisões”.

Não será necessário dizer muito mais sobre o funcionamento à parte do sistema deste município com tiques de ditadura, não fosse gerido o mesmo pelo partido que votou contra a lei de interrupção da gravidez (independentemente das desculpas que depois disso surgiram), o casamento homosexual (numa primeira instância), se absteve num voto de condenação a atos de violência sob pessoas LGBT na Tchetchénia, se recusa das mais variadas formas e truques de malabarismo a condenar o ataque da Rússia à Ucrânia e se opõe a qualquer emancipação da Ucrânia, tal como a sua adesão à União Europeia. Aliás, é o partido que não quer que Portugal pertença à União Europeia.

Finalmente a resposta

Depois do telefonema que referi em cima, decidi fazer alguma pressão nas redes sociais, o que teve algum resultado, já que hoje finalmente recebi a resposta formal por parte da Divisão de Água e Saneamento, na pessoa do Vereador do Pelouro das Obras Municipais, Joaquim Carlos Coelho Tavares:

“Lei? Não! Recomendações!”

Basicamente, a Câmara Municipal do Seixal, rouba às claras e chama à lei “recomendações”, escudando-se no seu regulamento interno. No fundo o município é uma extensão do PCP e está alheado do mundo real e orgulhosamente só no seu mundo de fantasia, mas com “elevada estima e consideração”, claro.

Portanto quando te congratulares do crescimento do concelho, das obras (escolhidas a dedo em tempos de eleições) e da exemplar gestão de Joaquim Santos *, lembra-te que grande parte da receita recolhida para realizar essas obras é obtida de forma criminosa.

* que também está de saída a meio do mandato, provavelmente também para deixar já plantado um seu camarada sem ter de se submeter a eleições

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6 comentários

  1. Estou na mesma situação, já paguei inúmeras taxas e com valores expressivos.. e pior.. ainda não tenho a instalação efetuada… a submissão do pedido foi em novembro de 2021.. e nada até agora.. acho um absurdo e descaso com os clientes.. antes o problema era o Covid.. e agora??
    Para obter a licença de utilização é preciso ter o ramal definitivo, para ter o ramal definitivo, é preciso ter a ligação das águas residuais… antes disso a tal vistoria de estanquidade… porém nada anda… é desanimador saber que somos roubados e ainda ter de esperar mais de 6 meses.

  2. Exatamente igual ao nosso caso. Questionamos um advogado especialista se a taxa que cobraram inicialmente n1 era legal dado que tínhamos comprovativos do pagamento de infraestruturas por parte do primeiro proprietário do lote, poisa CMS alegou que não era a mesma coisa. Resumindo eles cobram o que querem e nós, que queremos tudo legal e precisamos da licença de utilização temos de pagar e mesmo reclamando, alegam que estão protegidos, pois está tudo previsto no regulamento das taxas. Mas disseram que caso não fizessem obras na rua durante os 5 anos, poderíamos pedir o reembolso. A treta é que teremos de colocá-los em tribunal e gastar mais dinheiro em processos que advogados. Enfim. É o que temos. Deste lado já vão 11.500€ taxas só para a CMS e ainda nem acabámos a casa, imagino o que ainda nos falta.

  3. Não vivo no Seixal, mas tenho várias pessoas amigas que vivem. Já lhes enviei o link deste artigo. Estou de boca aberta!!! Absurdo. Essa gente (PCP) vive mesmo num mundo faz-de-conta!
    Parabéns pela óptima exposição. Também partilhei no Twitter.

  4. Em Ovar, por exemplo, fiz denúncia da construção de um pavilhão e nada aconteceu apenas porque se tratava da Igreja. No entanto existem centenas de legalizacões que a Câmara de Ovar obriga depois de denúncia.

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